Fátima entrou pela porta de casa, jogou a enorme bolsa no sofá azul, tirou a sandália marrom e deixou-a ao lado da porta. De repente soltou um grito:
– Ai, meu Deus!
Em frente a ela, no corredor que levava da sala a cozinha, viu um ser alto de tez muitíssimo pálida, olhos vermelhos, capa negra que cobria todo o seu corpo, com exceção da cabeça, que mostrava caninos afiados e mortais.
– Por favor, senhor vampiro, não me mate! Eu te imploro!
O vampiro continuou encarando a interlocutora, sem se mover um milímetro. Fátima respirou sofregamente, olhou ao redor, buscou um alho, uma cruz, uma estaca, qualquer coisa que pudesse ferir o vampiro, na ausência de qualquer arma pegou a bolsa e colocou em frente ao corpo. Claro, uma bolsa serviria de escudo contra o ser das trevas, muito bem, Fátima, vai nessa.
– No chupe mi sangre, por favor! – disse Fátima em espanhol, tirara aquilo de um filme antigo que assistira, não sabia bem o porquê, mas para elas todos os vampiros de respeito eram hispanienses.
O vampiro arqueou as espessas sobrancelhas negras e novamente não se moveu. A mulher se ajoelhou.
– Don’t eat me, please! I have money!
-Ahmm, oi?
– Que bom, fala português! Por favor, não chupe o meu sangue, te darei o que quiser em troca.
– Eu não quero chupar seu sangue. Nem quero o seu dinheiro.
Fátima não havia sido mordida, mas havia sido mortalmente ferida. Um vampiro em pessoa, ou ser mitológico, tinha a coragem de ir até a casa dela sem querer provar nenhuma gotinha do seu sangue. Nem uma mordidinha no pescoço, assim também era demais, está certo que Fátima não era nenhuma modelo, mas que vida, a mulher também não era de se jogar fora.
– Ah, entendi, então é assim… – Fátima se fez de difícil.
– Sim. – O vampiro deu as costas a mulher, e caminhou em direção a cozinha.
– Hey, espera. O que tem de errado com meu sangue? É só preferência por algum tipo sanguíneo?
– Não, pelo que eu saiba a gente chupa qualquer tipo.
A mulher que estava de joelhos se ergueu, jogou a mochila de canto e falou contendo a fúria:
– Ah, tá bom então, fala que não me quer, mas tá aqui em casa, sozinho. Sei! Esse corpinho não é para sua fuça não. – Desdenhou a mulher.
– Desculpe incomodá-la, minha senhora, já vou me retirar.
– Minha senhora?!
– Não é a tradução para milady? Hoje em dia não ouvi ninguém mais usando essa expressão.
– Seguinte, cara pálida, por que você não quer meu sangue?
– Na verdade…
– Aproveita agora que te achei charmoso, mais tarde vou sair com um cara da internet e você vai ficar a mingua.
– Então milady, eu não tomo mais sangue humano.
– Ai, que incrível! Você é tipo o vampiro do Crepúsculo que só toma sangue de animaizinhos! Adorei, passa o whats!
– Como ia dizendo, na verdade o gosto do sangue humano está horrível. Intragável. Não consigo mais tomar essa água suja.
– É por que você não provou o meu! – Fátima disse, sensual.
– É um gosto de X-Burger, milk shake, lasanha de micro-ondas, um tal de Mac Donalds…. Em 1402 não tinha isso, não. French fries era batata de verdade, não esses palitinhos.
– Mas então se alimenta de jovens saudáveis do interior da cidade? – Fátimo ficou sentida.
– Valha me Deus! Não aguento tanto agrotóxico.
– Então o que você toma?
– Normalmente procuro vinhos envelhecidos, mas na falta tomo suco de uva orgânico.
– Tenho alguns vinhos por aqui. Desculpe não poder ajudar, acabei de comer um empadão com coca-cola, acho que não vai rolar entre a gente– Fátima ficou chateada, não seria aquele dia que seria provada por um vampiro.
– Não, milady, mas ficaria feliz com o vinho.
– Nem uma gotinha? – olhou esperançosa.
– Não, milady.
– Tudo bem. Foi um prazer, venha, a cozinha é por ali.
– O prazer é todo meu!
Em tempos de crise, quem não tem sangue caça com suco de uva.
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SOBRE A AUTORA
Desde criança rodeada por livros, comecei cedo a me aventurar pelo mundo da escrita. Um conto sobre uma caneta falante acometida por um mal incurável foi apenas o início de diversas outras histórias que estavam por vir e que hoje me alegro em compartilhar com todos vocês!