As asas transparentes da libélula passavam despercebidas para olhos comuns, mas não para a visão apuradíssima de Belinha.

   Belinha, libélula nascida no interior São Paulo, mãe solteira de 110 filhos, olhava com desdém e amargura para as asas das borboletas.

   Bonitas! Coloridas! Vibrantes! Esses e outros adjetivos estavam nas bocas de todos aqueles que aclamavam a beleza das borboletas. Por sua vez, quando Belinha pensava nas próprias asas o que vinha em sua mente podia ser resumidos em feias, esquisitas, sem vida!

   Vários enfeites de borboletas eram criados, criancinhas as desenhavam em folhas de papel. Ao redor, parecia que eram os únicos insetos a serem admirados pela simples existência. Para se consolar, costumava dizer para si mesma “Poderia ser pior, já pensou se eu fosse uma barata?”. Este pensamento não era suficiente para aumentar o ânimo de Bellinha, pois a revolta causada por tamanha desigualdade também a incomodava. “As abelhas são tão esforçadas e produzem um mel tão saboroso, as formigas possuem tamanha inteligência e sociabilidade, mas onde estão os seus admiradores?”

    Em uma visita a um lago pertencente a uma rica propriedade da região, Belinha se aventurou pela mansão do lugar. Ao chegar ao escritório da residência avistou em cima da mesa a borboleta mais bela que vira em sua vida. O porte belo ostentava grandes asas azuis com detalhes amarelos e a graciosidade dela fez doer mais uma vez a ferida da libélula. A borboleta estava presa em um pote de vidro e quando avistou Belinha clamou por ajuda:

   – Por favor, me ajude, estou morrendo, há veneno neste ar!

   A libélula olhou triste para o destino do outro inseto, sabia que não havia nada que pudesse fazer para ajudá-la e temerosa pela própria vida, voou depressa dali.

   Em fuga, se dirigiu ao aposento a direita do escritório. Na vasta parede viu borboletas empalhadas em um grande mural de vidro. Quantas haviam no local? 700? 800? A visão de 360 graus de Belinha não foi capaz de contar todos os cadáveres que encontrara ali. Horrorizada com a triste visão da beleza embalsamada, voou até a janela mais próxima em busca da liberdade.

    Pela primeira vez ficou muito feliz por suas asas transparentes, que apesar de não serem tão belas quanto as das borboletas, desempenhavam muito bem a mesma função: o dom de voar!