Por debaixo das finas rendas de meu chapéu graciosamente arranjado com penas escuras de avestruz, ninguém suspeitaria da minha profissão nesta cidade, nem sobre como ocupava meus dias ou com quem compartilhava meu leito na madrugada. Os dias eram voláteis como uma brisa e sentia a frivolidades humanas no intimo do meu ser, por vezes de modo terrivelmente desagradável. As sedas de luxo cobriam minha vaidade assim como o dinheiro custeava minhas frustrações.

Aos dezesseis anos declarei total autonomia sobre meu destino, meu corpo e principalmente: meu futuro. Com diversos caminhos disponíveis, ofertas ditas irrecusáveis e opções sonhadas por muitas outras, declarei-me cafetina, seguindo os passos daquela que um dia foi a minha mãe. Assim me aventurei pelos prazeres da luxúria e o desprazer do amor, a alegria da ficção e o desencanto lento da realidade, as verdades compartilhadas aos sussurros provindas das mentiras cotidianas sustentadas pela displicência humana.

– Ora, distinta madame, mas se tinhas a opção, por que diabos se tornou uma rameira?

Bem, meu caríssimo barão, meu cortês rapazote, mon seigneur, é que adoraria ser mais do que um obediente bibelô. Essa foi a vida que conheci desde pequena e da qual me apeguei. Veja bem, nesta época que me encontro, maior parte do valor da mulher é baseado em seus dotes físicos, comprada e vendida como uma bela, ou podre, maçã no mercado. Vi diversas meninas se casando com senhores enrugados que nunca viram antes, virgindades sendo negociadas em salões da alta sociedade. Entre ser negociada deste modo, ou eu cobrar meu justo preço, optei pela segunda opção. Homens me pagavam em troca de algo que queriam, que incluía muito mais do que sutilezas sexuais, e eu vendia o que podia oferecer a eles. No entanto, por hora, não me atentarei a essa história, hoje é outra que venho lhe contar.

Ainda para sanar qualquer dúvida de um curioso resignado, não tenho direito a voto e pouco teria sobre o meu corpo, se não me transformasse no que me tornei. Com meus dedos já um pouco enrugados, consigo tocar lindamente em um cravo, teço e bordo delicadas peças de roupas, conheço as artes culinárias de diferentes regiões do mundo, fui lapidada com a mais esmerada educação. Das artes femininas, aprendi todas, o que mudou em mim foi querer deixar essas sutilezas de lado para me tornar algo que a natureza não me permitiu ser neste tempo, mas acredito que em épocas posteriores este retrocesso ainda será reavaliado e proscrito.

Lembro-me de quando era jovem, estonteante, embora a vida ainda não tenha levado de mim a beleza na qual convivi, e seduzi, por vários anos. Naquele tempo contava com vinte primaveras e na enfadonha realidade da casa de diversões Seda Vermelha, fizemos uma aposta. Sim, uma aposta desnaturada que traria grande vergonha ao nosso jeito de ser já tão desavergonhado por natureza.

Marie, Caty e eu decidimos que seria conveniente apostar a virgindade do mais novo pároco da cidade, sem nenhum conhecimento ou pretensão da parte dele. O padre era odiável de tão belo, formidável eu diria, o que nos intrigava ainda mais sobre quais perjúrios fizeram um homem que poderia desfrutar de tudo decidir não ter absolutamente nada e viver na mais exilada castração. Erámos esbeltas, e usávamos nossa beleza para adquirir sustento, conforto e luxo, já aquele homem, garboso e culto, gastava sua perfeição em confinamentos e orações.

As moças se aviltavam nas missas proferidas pelo jovem, que deveria contar com não mais do que 25 anos, e se amontoavam em cochichos sobre sua figura. Nestes cochichos, lá estávamos nós, entre as finas damas da região, pois tamanha era nossa cultura, graça e atuação que ninguém jamais suspeitaria de nossa odiosa profissão. Encerradas as línguas fomos até a igreja sem nenhuma pretensão com Deus para conferir se os mexericos eram reais. E eram!

Assim, entre um sorriso malicioso e um olhar felino, apostamos que aquela que conseguisse seduzir o padre e tirar a sua castidade ganharia uma boa fortuna das demais. A prova do hediondo pecado seria uma confissão de amor escrita pelo próprio, a qual seria posteriormente conferida em seu livro de orações. Chamaríamos um grafólogo se fosse preciso, pois não nos detínhamos em nossas pirraças.

Assim foi feito. Por meses tentamos em vão seduzir padre James, como era conhecido, mas nenhuma de nós parecia obter avanços diante da fé irrefutável do homem. Achei que Marie fosse conseguir, pois seus cabelos dourados e olhos do mais puro azul certamente a confundiriam com um anjo, o que encantaria o padre, na minha estreita visão, no entanto me enganei.

O curioso é que nesse mesmo período da aposta do qual citei, uma jovem que não reparamos se tornou uma velha lenda da cidade e mais tarde, após trágicos acontecimentos, ficou conhecida como a viúva ceifeira. Nunca havia tomado conhecimento daquela jovem até descobrirmos, por meios duvidosos, que aquela mulher simples perante a nossa radiante beleza, havia conquistado o coração do jovem pároco e o levado para o inferno.

Não sei até que ponto a história se cruza entre boatos, misticismos e fatos reais, mas se quiser ouvir essa fofoca de uma aposentada rameira, continue aqui e contarei tudo o que soube sobre essa medonha história. Se não quiser, apenas deixe uma simples senhora ocupar seus últimos dias contando histórias da carochinha e desfrutar da fortuna que deu corpo e alma para conseguir.

Como diria aos meus antigos clientes, aprecie a vida e a minha companhia como uma taça de vinho que beberica lentamente, pois meu gosto começa doce, mas na despedida, terá de lidar com o amargor da minha lembrança.

Óh céus, falando em bebidas, onde estão meus modos?! Perdoe minha falta de gentileza, você aceita um chá?

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