Passinhos rápidos, pequenos, mas ágeis, percorriam um caminho de neblina entre os becos da cidadezinha iluminada a sebo. Um homem pequeno, trajado na fina moda masculina da época, cartola longa, bigode e costeleta simetricamente aparados, casaca espessa, negra, de alta costura, cobria o colete acinzentado deixando os babados da casimira branca a mostra.  A calça larga e as botas de montaria sujas de barro completavam o perfil do furtivo homenzinho.

Percorria o caminho com um ar irrequieto. Apoiou-se na parede da catedral após ter torcido o pé ao escorregar em uma poça d’água, tomava fôlego e pela boca delgada saiam névoas, os olhos azuis escuros se moviam rapidamente de um lado para outro procurando algo.

Ouviu-se um barulho e a pele já branca se empalideceu, passos pesados se dirigiam até ele e então previu o seu fim. O pé doía demais para se mover a velocidade suficiente de escapar, e esperou o desconhecido. Um homem surgia em meio às névoas, escondido pela noite em suas roupas e máscaras negras:

– Passa o dinheiro, agora!

O moço encurralado tirou as moedas prateadas do bolso e as entregou:

– O relógio também!

O pequeno homem tremia, e retirou o relógio de bolso da casaca.

– Agora as botas.

O pequeno homem obedeceu mais uma vez, deixando a mostra os delicados pés parcamente escondidos sobre a meia de seda. O assaltante avaliou detidamente a vítima, talvez a procura de algo de valor que também pudesse ser roubado, mas algo em seu olhar parecia enxergar além.

– A cartola! Muito fina esta cartola! Dê-me também!

O jovenzinho fez que não com a cabeça, segurou a cartola com as duas mãos delicadas, obstinado a não deixá-la ser levada de sua cabeça. Agarrava com todas as forças da qual dispunha, embora um jovem magricela assim não aparentasse muita força. Repetia o gesto negativo enquanto a segurava, e o ladrão passou a golpeá-lo no estômago.

O mocinho se encolhia enquanto mantinha a cartola em sua cabeça e os gemidos de dor se intensificaram concomitantes a um terrível grasnado que surgia.

Um corvo saído das sombras, ou do inferno, foi em direção ao assaltante, grasnava e o golpeava, grasnava e o golpeava, não exatamente em uma mesma ordem. O pássaro não desistiu até que o ladrão se afastasse dali com um fino filete de sangue causado pelas ferozes bicadas que dera em sua cabeça.

O rapaz continuou pregado a parede, chorava baixinho, encolhido pela dor dos golpes e da perna machucada. Levantou a cabeça e em meio a noite escura pode ver os intensos olhos amarelos do corvo. O corvo grasnou mais uma vez em despedida e então alçou voo para o alto da catedral.

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